Salada de frutas

Originalmente publiquei este relato da vida real em “O TELERN” – jornal interno da empresa onde trabalhei vários anos – para o qual eu colaborava com uma coluna mensal, preenchida sempre com uma crônica ou artigo técnico específico de telecomunicações.

Não tenho mais o original, reescrevo, certamente com novas palavras, mas o fato é verídico e, portanto, o mesmo.

Aconteceu no Recife e até serve de lição quanto ao cuidado que devemos ter com a língua.

Marilene chegou ao expediente naquela manhã contando o episódio ocorrido no final de semana, em sua casa:

A família recebera a visita de um casal vizinho. Na cozinha, as mulheres conversavam enquanto, no terraço, seu pai proseava com o amigo. De súbito, veio da cozinha o convite:

– Querem uma saladinha de frutas?

A proposta foi aceita com satisfação. Uma “saladinha” àquela hora viria a calhar.

Ao receber o lanche o pai de Marilene observou a “pobreza” do quitute, preparado exclusivamente com bananas e laranjas e iniciou uma pretensa autocrítica como forma de se desculpar pela situação embaraçosa:

– De quem é a receita dessa salada maravilhosa? Só tem banana e laranja, laranja e banana… e mais banana e mais laranja! Será que não deu tempo de ir à feira? Ou faltou grana?

Em desespero, escondida por trás da cortina, Marilene acenava, gesticulava, implorava “um tempo” ao pai. Este, por sua vez, imaginava que tamanha gesticulação era de vergonha pela falta de qualidade do lanche e, só de maldade, para castigar a esposa e filha que o estavam fazendo pagar aquele mico, o discurso continuou e até recrudesceu.

– Vocês ainda têm coragem de oferecer semelhante salada às visitas? – continuou acicatando – Vai desculpando ai, amigo, espero que você goste de banana e laranja…

Ainda buscando uma brecha no discurso do pai, Marilene demonstrava chegar ao desespero.

Como o vizinho não se associasse à “brincadeira”, o velho resolveu atender aos apelos da filha e foi tomar conhecimento do que tanto a afligia.

Resultado: a salada de frutas fora trazida pelos próprios vizinhos como uma cortesia dos visitantes!

Nada pôde evitar o embaraço que finalizou o episódio. Porém, sem arranhões, ao final todos riram (à exceção do próprio o xingador que “procurava um buraco para se enterrar”).

Para concluir, lembro Saint-Exupéry, em seu romance Terra dos homens (Terre des Hommes, Ed. Nova Fronteira, tradução brasileira de Rubens Braga) – livro recomendável, de leitura agradabilíssima e grandes ensinamentos – numa belíssima descrição em que, vitima de acidente aéreo (Saint-Exupéry era piloto dos Correios Aéreo Francês), o autor foi acolhido por um casal que morava em região erma e desértica. Exupéry retrata que ao ser introduzido na residência se depara com um enorme buraco que dominava um cômodo da casa. O que chamou sua atenção foi justo o fato de seus anfitriões não se “desculparem” pelo transtorno. Apenas lhe chamaram a atenção para que não caísse no tal buraco provocado pela ação do tempo e pela natureza do deserto. Pareciam conviver naturalmente com o fenômeno.

Na situação anterior, a simplicidade com que o casal visitante trouxera o lanche se assemelha, em tese, ao episódio narrado por Exupéry. Somos o que somos. Temos o que temos. Não se fazem necessárias desculpas nem sarcasmos diante de ocasional infortúnio, má sorte ou humildade. O enfrentamento direto seria a melhor saída e teria evitado constrangimentos.

Não que seja fácil. Eu próprio não faria a crítica, mas também não serviria a tal salada de frutas, o que configura fuga ao invés do recomendável enfrentamento.

Viver com simplicidade e enfrentar – sem críticas – as situações, pode ser a melhor estratégia.

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