Silêncio…
Deito e apago a luz.
Começo a conciliar o sono.
De repente: Zummmm… pac!
Pronto! Desperto. Acendo a luz:
₋ Uma barata. – Quase grito alarmado.
₋ Deixa de bobagem e vem dormir – reclama minha esposa, que mal houvera fechado os olhos.
₋ Nada disso! É uma barata e não volto a dormir enquanto não a localizar.
O voo de uma barata enche o ar. Consigo percebê-lo, sem dúvidas. É aterrador, como a turbina de um caça durante uma guerra… Zummmm… e a conclusão é sempre característica… Pac!: significa que pousou na parede ou em alguma superfície dura, como a porta do guarda-roupa… se não houver barulho no final do voo é porque pousou numa cortina macia… ou terá sido na cama? no lençol… bem aqui do meu lado! Pronto, está estabelecido o pânico.
Pulo da cama. Começo a olhar em volta, atrás dos móveis, embaixo da cama…
₋ Vem dormir! Um cara desse tamanho com medo de uma barata! – volta a resmungar a minha desventurada esposa.
Envergonho-me, mas não tenho domínio sobre a situação.
Só de imaginar o contato com uma barata, arrepio de sobressalto…
Já lhe aconteceu de acordar com as cócegas das (argh!) “perninhas” espinhentas de uma barata?… sim, pois aqueles “espinhos” duros e pontudos são terríveis… podem matar!
E o cheiro? Seu cheiro é inconfundível e insuportável… ao passar voando ela deixa um rastro fétido no ar. Reconheço rapidamente o ambiente que tenha uma barata.
Descobrir a fobia dos outros pode ser uma verdadeira arma de guerra. Fico imaginando que tortura poderia ser idealizada a partir de um animalzinho inofensivo… Na minha imaginação surge a figura de um tirano, mau, cruel… tremendo de medo diante de uma simples rã… Lá está Hitler, sobre um banquinho de madeira, acovardado e pedindo socorro por conta de um rato. Sorrio diante da imagem.
₋ Tá rindo de que? – pede explicação minha desesperada esposa, que a esta altura levantou-se – sem qualquer alternativa – e começa a procurar a tal barata.
₋ Lá está ela, bem aqui… passa esta sandália… upa! correu! Pronto. Ela foi para trás do guarda-roupa. Dali ela não sai mais. Vamos voltar a dormir… – tenta me convencer.
₋ De jeito nenhum! – protesto – vou dormir na sala! – ameaço.
₋ Tá bem, seu frouxo! Então ajuda aqui… puxa este guarda-roupa: Rrrraannnggggeeee…. Arrghhh… Screchthhhh…
₋ Lá está ela, rápido, parece que vai voar…
Saio do quarto e fecho a porta atrás de mim… não quero correr o risco de ser alvo desse voo.
Sim, porque as baratas parecem que adivinham minha fobia e voam exatamente na minha direção… Suas antenas são radares… ficam se agitando, sondando o ar… sentem onde estou e direcionam o voo… sabe Deus como… talvez guiadas pela adrenalina! E usam de estratégia ardilosa: muitas vezes iniciam o voo exatamente na direção oposta, mas, de repente, numa guinada surpreendente, fazem a manobra mais inesperada, retirando-me toda possibilidade de fuga!
Sem querer deixo a porta escapar de minha mão e bater com força: Blam!
Meu vizinho acende a luz incomodado pelo barulho inesperado na já quase madrugada…
₋ O que está havendo? – questiona uma voz no compartimento ao lado.
₋ Sei lá! – responde o interlocutor – Acho que estão de mudança ou arrumando a casa…
₋ Mas a essa hora?
Minha esposa abre a porta e anuncia: – Pronto, matei a barata… agora vem dormir.
₋ Nada disso: quero ver o cadáver…
₋ Ficou lá, debaixo do guarda-roupa…
₋ Nada disso!!
Afasto o móvel mais um pouco…
Minha esposa sai em busca de uma vassoura… quase se deita no chão… passa o instrumento por baixo da fresta e lá vem a barata… parece morta, mas ainda tenta mover as perninhas…
Splash! Mas uma chinelada… pronto…
Minha esposa varre os restos mortais do pobre animal.
Penso em São Francisco… acho que o Santo não perdoaria o gesto de minha esposa. E me culparia por induzi-la ao erro… pobre barata… São Francisco a chamaria de “irmã barata”. Definitivamente, um Santo!
Suado pelo trabalho inesperado, tomo um banho antes de voltar para a cama.
Deito-me, apago a luz e beijo minha heroína doméstica.
₋ Da casa ao lado chegam murmúrios pronunciados alto e em bom som, propositadamente, para serem ouvidos:
₋ Que abuso!
Silêncio….