Cyr@no de Berger@c

Recentemente aconteceu com uma pessoa de meu relacionamento: Um encontro casual (será?) no mundo virtual. Troca de informações, envolvimento, promessas, encontro pessoal marcado e decepção total. Em nada a figura se parecia com a que fora anunciada. Além disso, não apenas a aparência, mas também a personalidade mostrava traços diversos do propagado: violência e egocentrismo ficaram facilmente expostos. Deu trabalho, inclusive, para se livrar do problema.

De imediato lembrei do teatro clássico e comparei as tramas.

O livro eu ganhei de um amigo telerniano – Sérvio Túliu: Cyrano de Bergerac, do autor francês Edmond Rostand. Encantei-me com a leitura nada fácil de uma peça teatral. Cenários, diálogos e contextos assentados sem qualquer concatenação, senão as descrições dos atos e alternânica de cenários e falas. Os versos que dominam todos os diálogos são belíssimos. A peça é de um lirismo e enredo encantadores.

Agora, faço uma comparação com os tempos modernos, de diálogos em computador.

Na peça, Cyrano, apaixonado por sua prima Roxana, conforma-se com a impossibilidade de um romance por ser desprovido de beleza, dono de um nariz enorme que o fazia quase ridículo. Entretanto, era dotado de uma capacidade estonteante de fazer versos e encantar com palavras doces e meigas. Cristiano, também apaixonado pela bela Roxana, era – inversamente – um rapaz de beleza incontestável, porém vazio quando se tratava de conquistar com palavras. Cyrano, abrindo mão da conquista pessoal, tenta ensinar galanteios que fariam Cristiano vitorioso e até se oferece para falar à garota como se fora o próprio. O plano foi concebido de sorte que Cristiano se posicionaria sob a luz, para que pudesse ser visto, enquanto que Cyrano, escondido na sombra, falaria para Roxana quando ela aparecesse na sacada. Para Cyrano seria a oportunidade de falar tudo que seu coração transbordava.

Roxana apaixona-se pelos versos e lisonjas que ouve, associando-as ao rosto que vê, sem perceber que provinham de fontes diversas.

Reflito sobre a semelhança das situações quando analiso diálogos e namoros pela Internet e as tantas vitimas de engodos, que diferem do cenário de Rostand pelo fato de serem engendrados sordidamente, sem qualquer pontinha do romantismo que domina a peça teatral. Nesse caso a vida não imita a arte, mas a parodia de forma jocosa.

São inúmeros os internautas que se apresentam com rostos que jamais foram seus, escondendo “enormes narizes”, não naturais, como os de Cyrano, mas avolumados, como o de Pinóquio, pela mentira. Apresentam-se com rosto de Cristiano propondo os “versos” de Cyrano.

Pobres Roxanas modernas: não conseguem ver a verdadeira face de seu interlocutor. Apaixonam-se, muitas vezes, pelos discursos lisonjeiros que foram proferidos por terceiros. Marcam encontros com o desconhecido e, amiúde, se dão mal. Pobres Roxanas, repito, mas não tão ingênuas assim, uma vez que os papéis também se invertem e muitas Roxanas improvisadas se escondem nas sobras do anonimato e da mentira, surpreendendo ao se mostrarem na cena real.

A Internet tem, sim, promovido alguns encontros promissores, mas, vez ou outra alguém está quebrando a cara.

No final da peça de Rostand, ambos, Cristiano e Cyrano, são enviados à guerra e Roxana só descobre muito tardiamente que havia se apaixonado pelo discurso de um e pelo rosto de outro.

O romantismo de Rostand torna o epílogo teatral emocionante e surpreendente. Mas, nos dias atuais, o final pode ser cômico ou – pior ainda – trágico e verdadeiramente esperado.

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